Um curioso caso corriqueiro

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A chuva estava um pouco forte, o carro longe da entrada do prédio - iriam se molhar. Correram, mas mesmo assim entraram ensopados em seu apartamento. Ele, otimista como sempre, sorriu. Ela, atenciosa, foi buscar uma camisa para ele, uma de algumas outras que ainda estavam em sua casa, mesmo após o término do relacionamento. Assim como o resto das coisas que lá permaneciam, um cantinho de sentimento ainda habitava aquela transação. Ela tirou seus sapatos e num ato automático, comum de um passado próximo, colocou seus pés sobre as coxas dele. Ambos se olharam e riram. Carinhosamente começou a massageá-la, se entreolharam. Conversaram, riram, trocaram confidências. Por um curto espaço de tempo pareciam esquecer os poréns da situação, ficaram próximos. Não demorou e o constrangimento veio. Ele recolheu seus pés, que naquela altura eram massageados por ela. Ela se levantou e foi para a cozinha, como se para evitar o clima que havia se instaurado. Estava lavando o copo quando sentiu seu hálito lhe soprando a nuca. Pensou em se desvencilhar daquele meio abraço, mas se negou. Sentaram-se, papearam um pouco mais até que ele bateu a mão sobre as coxas e exclamou: "Acho que vou pegar o caminho de casa". Se levantaram, trocaram um beijo desengonçado e se abraçaram. E foi no abraço que os limites se perderam. Mais do que a troca de um beijo, foi no abraço onde sempre viveram o clímax de seus momentos. A mistura dos seus cheiros, a pressão entre os corpos, para eles sempre foram a melhor parte. Ela, sem ver, beija o seu ouvido. Ele da um passo para frente, mas como quem sabe o quanto quer aquilo, permanece. Se beijaram, se abraçaram, sorriram. Seus corpos estavam nús, um sobre o outro, mas isso parecia não importar. Suas bocas se amavam mutuamente, e seus braços se entrelaçavam, tentando matar uma saudade imensurável. Ela o beijava e com seu olhar gritava o que o orgulho a impedia de dizer: "Eu te amo". Ele estava lá, sem saber o porque, ele estava. E em seus olhos era refletido todo aquele sentimento, a saudade, o carinho. Mas mais do que isso, refletia-se o medo de viver aquilo, de se prender a alguém. Se amaram, se entregaram. Ofegantes, ficaram em silêncio. Ele, já temoroso sobre quais responsabilidades aquilo poderia significar, esboçou uma fala. Ela o interrompeu, impedindo que qualquer observação calasse o silêncio. Tomaram banho juntos, brincaram, falaram merdas - típico de suas tardes anteriores. Se secaram e ajeitaram as coisas. Ele pegando sua carteira e a chave do carro, ela procurando o cartão, para ir ao supermercado. Beijaram-se novamente, dessa vez mais tímidos. Não sabiam o que aquilo significava, qual era agora o status da coisa. 
Se fitaram, sem quererem se despedir. Ele, a amava. Enxerga nela tudo de mais instigante que jamais havia visto em outras. Não era gostosa, nem fazia o seu tipo, mas o excitava. Tinha nela seus maiores incômodos, e ironicamente tudo o que mais lhe fazia bem. Seu celular vibrou, o sms de uma menina que ele estava afim. Hesitou um pouco, mas acabou se convencendo de que todo aquele sentimento era insuficiente; Ela, o ama. Pergunta-se todo santo dia como tamanho contraste pode ser tão apaixonante. Mesmo cética, vê nele uma boa companhia para muitos outros dias de chuva, e um parceiro para futuros anos de vida. Além do tesão, claro. O cartão de crédito cai de sua mão. Não sabe porque, mas lembra-se que tem uma fatura altíssima para pagar no mês seguinte. Reflete, amarga, mas conclui que não se pode dar ao luxo de sofrer por amores, que está sozinha na situação e tem de se virar.
Ele, continua procurando o suficiente por aí, pulando de braços em braços, fingindo para si mesmo que irá parar em algum. Ela, está para ser promovida. Segue sua vida e fingi não ligar a ausência de um alguém ao seu lado. Se estão felizes, se sentem saudades? Nem mesmo eles ousam responder a isso.